PARTE 1: A NORMA
Um juiz deve se declarar suspeito quando as circunstâncias ao seu redor conspiram contrariamente a imparcialidade que este deve ter. Tais circunstâncias estão assinaladas nos artigos 144 e 145 do Novo Código Processual Civil, que tem considerável incidência com CCP.
Será aqui tratado mais especificamente o inciso II do artigo 145, que declara:
NCPC, Art. 145. Há suspeição do juiz:
II – que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que
aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas
do litígio;
Embora o Código Processual Penal não traga essa possibilidade de suspeição, ele traz a possibilidade de interpretação extensiva e análoga:
CPP, Art.30
A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.
A analogia é válida uma vez que as situações de suspeição descritas pelo CPP convergem com as descritas no NCPC. E uma vez que o CPP, não trazendo possibilidade de suspeição para a clara violação de imparcialidade em questão (juiz receber presente de interessados em uma das partes do processo), possui uma óbvia lacuna que deve ser preenchida. Lacuna normativa, caso em que não há norma solucionadora de um caso concreto presente na sociedade.
Vale lembrar também que o Moro já se declarou suspeito em outra ocasião, no inquérito contra o doleiro Youssef em 2010. Isso demonstra que suspeição não é nenhum crime. Nenhum absurdo. Nada de outro mundo. É apenas um dispositivo (bastante comum, inclusive) que visa à maior imparcialidade do processo, tendo o próprio Moro já se declarado como tal. [1]
PARTE 2: DEFINIÇÃO DE PRESENTE
presente
pre.sen.te
adj m+f (lat praesente) 1 Que existe ou sucede no momento de que se fala; atual. 2 Diz-se da pessoa ou coisa que está num dado momento diante dos olhos3 Que assiste em pessoa: Presente ao ato. 4 Que está a ponto de se realizar; iminente. 5 Gram Diz-se do tempo que exprime ação que está sendo feita; estado ou fenômenos atuais. Antôn (acepções 1, 2 e 3): ausente. sm 1 O tempo presente; o tempo atual. 2 Gram Tempo que nos modos verbais exprime a ideia do momento em que se fala. –> 3 BRINDE, DÁDIVA, MIMO, OFERENDA, OFERTA. <– sm pl As pessoas que se acham num lugar, por oposição a ausentes. P. de grego: presente que prejudica a quem o recebe (tal como o cavalo de madeira, com o bojo repleto de soldados, deixado pelos gregos às portas de Troia, segundo a Ilíada).
PARTE 3: A TIPIFICAÇÃO
Fazer-se-á agora a tipificação, isto é, a associação entre o que a norma diz e os fatos:
Moro foi presenteado por João Doria com a oportunidade (oferta) de ministrar palestras organizadas, promovidas e financiadas por ele…
“A presença de Sergio Moro em mais um evento organizado por João Doria pode ser encarada de três maneiras: ingenuidade, soberba cega ou provocação.
Moro confirmou que estará em um “jantar debate” do Lide, de Doria, em Curitiba na quarta, dia 9. O tema: empresas e corrupção. Ao seu lado, Gareth Moore e Alex Ellis, respectivamente cônsul e embaixador do Reino Unido.
Em setembro, o juiz foi aplaudido por quinhentas pessoas num almoço encabeçado pelo mesmo JD. A principal pergunta, na ocasião, era sobre a prisão de Lula, questão da qual se esquivou.” [2]
…que é candidato à prefeito pelo PSDB em SP:
“O empresário João Dória, que promove eventos com palestra do juiz Sérgio Moro, venceu neste domingo(20), em segundo turno, as prévias do PSDB para candidatura à prefeitura da capital paulista.” [3]
(Moro é juiz, não palestrante regular. Logo, a oportunidade de ministrar palestras organizadas e financiadas por Doria deve ser vista como um presente, uma vez que é uma oferta à parte de sua função, que, além de proporcionar vantagens [ganho de prestígio e popularidade], foi dada sem uma anterior dívida [graça, presente].)
Doria é tucano e tem contato direito com o alto escalão do PSDB e clara parceria política:
Foi ele o anfitrião do jantar em SP que reuniu o ex-presidente FHC, Aécio Neves e Geraldo Alckmin com quase cem empresários [4]…
…e do jantar de gala para, o então presidenciável à época, Aécio Neves. [5]
Sendo ainda um grande beneficiário, enquanto ainda pré-candidato, da Gestão Alckmin…
“O governo do Estado de São Paulo, comandado pelo tucano Geraldo Alckmin, pagou R$ 1,5 milhão ao empresário João Doria Jr., um dos pré-candidatos do PSDB à prefeitura paulistana, por anúncios veiculados em sete revistas da Doria Editora, entre 2014 e abril deste ano.” [6]
… com o qual ainda participou de eventos [7]:
O PSDB, incluindo aqueles que tem contato com Doria e consequentemente o próprio Doria, tem óbvio interesse na causa da Lava-Jato, uma vez que políticos tucanos estão intimamente ligados ao processo:
“Laudo da Polícia Federal, na Operação Lava Jato, revela que a Construtora Norberto Odebrecht – sob suspeita de ter integrado o cartel de empreiteiras em esquema de corrupção na Petrobrás – pagou R$ 975 mil ao Instituto Fernando Henrique Cardoso, entre dezembro de 2011 e dezembro de 2012. Foram 11 pagamentos mensais de R$ 75 mil e um de R$ 150 mil.” [8]
…“O senador Aécio Neves (PSDB-MG) deve passar a ser investigado formalmente na Operação Lava Jato depois de ter sido acusado de receber propina na delação premiada do senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS).” [9]
…
“Também são citados como destinatários de doações da empreiteira o senador José Serra (PSDB-SP), o ministro da Defesa, Aldo Rebelo, os governadores tucanos Beto Richa (Paraná) e Geraldo Alckmin (São Paulo) e o ex-governador do Distrito Federal Agnelo Queiroz (PT).”[10]
…
“A revelação sobre o repasse milionário ao então número 1 do PSDB foi inicialmente revelada em agosto de 2014 pelo primeiro delator da Operação Lava Jato, engenheiro Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras. Segundo Costa, o dinheiro foi providenciado pela empreiteira Queiroz Galvão. O doleiro Alberto Youssef, que também fez delação, já havia confirmado o pagamento ao PSDB.“[11]
Sérgio Moro, portanto, deve ser declarado suspeito e afastado do processo por “receber presentes [oportunidades de ministrar palestra] de pessoas [Doria] que tiverem interesse na causa [envolvimento de aliados tucanos na Lava-jato] antes ou depois de iniciado o processo”. Vale ainda ressaltar que, para que haja o afastamento por suspeição, não é necessário demonstrar uma evidência incontestável de ameaça à imparcialidade do processo. Para tal, basta apontar um indício que possivelmente ocasionaria tal imparcialidade, o que foi feito anteriormente.
Se se preza pela legalidade e pela democracia deste país, tal afastamento é um dever democrático. Aonde estão aqueles que falam de impeachment apelando para legalidade e democracia?
BIBLIOGRAFIA:
1. http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/moro-explica-por-que-nao-julgou-youssef-em-2010/
5. http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/354822_O+JANTAR+DE+150+TALHERES+PARA+AECIO
7. Idem
GABRIEL BRASILEIRO 